27/11/2009

Depois acordar e lamber-me no teu sangue, penetrar todas as tuas cavidades caminhando ao teu pulsar e saciar-me de ti, só então, completo, desembaraçar-me de todos os músculos e tendões e arrancar-te ao torpor que sou.

26/11/2009

Gostava de nadar por ti dentro, abrir-te ao meio e chegar-te ao coração, aconchegar-me na cavidade mais sensível e adormecer sonhando baixinho.

25/11/2009

novas oportunidades

À pala do canudo, neste último ano, ando a ver Angola, Moçambique e os EUA por um canudo e a perder oportunidades. É como dizia à minha namorada faz umas semanas, andas chateada olha fode, vem-te e ri-te. Descobri aqui antologia do esquecimento: QUANDO FOR GRANDE que o Cesariny é da mesma opinião.

coisas que me fazem muita impressão

A minha mãe foi ontem ao centro de emprego a uma reunião para a qual tinha sido convocada a semana passada, apesar de estranhar a convocação, pois não tem qualquer subsídio há anos, lá foi saber do que se tratava. Tentaram fazer-lhe uma lavagem ao cérebro com as novas oportunidades, por uma empresa privada segundo lhe pareceu e por uma menina assim meio inexperiente (para ser simpático e não usar a palavra que foi dita que foi tótó). Perguntaram às pessoas se não queriam valorizar-se, um homem de 63 anos disse que não percebia a pergunta, valorizar o quê perguntava o homem espantado enquanto tirava a carteira profissional para mostrar à menina enquando dizia que queria era trabalhar, fazer o que sabia fazer e para o qual estava habilitado por longos anos de experiência. A minha mãe vendo no que estava metida pediu licença para sair, perguntaram-lhe directamente, então mas a Sra. não quer ficar, não quer trabalhar, não quer valorizar-se, calmamente respondeu, sabe minha menina, já trabalho 24 horas por dia, tenho a minha mãe com 95 anos em casa ao meu cuidado, com Alzheimer desde os 80, se quiser mandar alguém lá a casa para ver o que trabalho e o valor que tem podem depois fazer o favor de me mandar o diploma e agora, se me dá licença, tenho de sair que a minha mãe está sozinha em casa e pode fazer alguma asneira ou acontecer alguma coisa. Resta dizer que a D. Olga, senhora minha mãe, tem 64 anos, a quarta classe e uma larga experiência a tomar conta da casa, dos filhos, dos sobrinhos, dos netos, dos amigos destes todos, do sogro e, também, da mãe. É verdade também não cozinha nada mal e tem o que vulgarmente se chama um sexto sentido lixado. Entretanto, hoje acabei de fazer o meu 10.º ou 11.º telefonema para o ministério da educação a uma média de um por mês no último ano, para saber quando me mandam o meu certificado de habilitações lá enfiado nas trapalhadas da independente. É que pelo menos eu fui às aulas (algumas) e fiz a merda dos exames sem cunhas, sei que aquilo não era grande coisa mas se fiz e até com uma boa média, o canudo dá-me jeito, nem que seja para me pirar daqui, mas dá-me jeito, nem que, mais tarde, sirva só para me limpar o cu, dar-me-á jeito de qualquer forma. Agradecido.

23/11/2009

futebol

O Benfica perde um jogo e as razões são todas menos o facto de terem falhado mais uma série de golos, se é verdade que, ao contrário da Naval, o Guimarães ainda deu um ar de sua graça em 3 ou 4 jogadas na primeira parte, também não deixa de ser verdade que o Benfica dominou e jogou que se fartou, também falhou que se fartou é verdade, mas o futebol e a vontade de ganhar estão lá, o normal para quem joga assim é marcar mais golos que os adversários só que nem sempre o que é normal é o que acontece num jogo de futebol. Ainda bem.

20/11/2009

concerto

Tenda no largo do mercado - Pinhal Novo - 22 h.

18/11/2009

para M.

Ontem chegaste a mim triste e desorientada, não percebias porque é que uma pessoa se enforca aos trinta anos. Eu consolei-te, não com respostas mas como posso, sei e consigo e, por ironia, o post anterior não é uma resposta, mas é um cenário que conheces bem demais e sabes o desespero que te provoca, agora põe-te no lugar deles.

17/11/2009

portugalzinho

A primeira notícia que ouvi hoje, foi que a associação dos panificadores estava muito chateada com o governo porque, segundo eles, não têm mão-de-obra devido ao rendimento de inserção. Esta notícia deixou-me logo bem disposto pela manhã, só espero que aconteça o mesmo noutros sectores da economia para o meu riso ser mais completo e satisfeito. A questão nem é ser um sector que conheço muito bem, porque nos outros acontece o mesmo, pagam em média 500 € de ordenado, as pessoas fazem mais horas sem receber ou a receber uma palmada nas costas e promessas de nada ou, até, ameaças de despedimento, são obrigadas a aturar um patronato e chefias rudes, intratáveis, analfabetas e incompetentes que se passeiam em 3 Mercedes e mais um jipe BMW, mais a gala nas quintas com piscina e nos garanhões puros lusitanos, e ficam chateados de não ter mão-de-obra. Coitados.

16/11/2009

bemmequer

esclarecimento

Relativamente a Manuel Zacarias Segura Viola e José Tobias Taramouco, sei que existiram duas pessoas com estes nomes, quem me dera capacidade para inventar nomes destes, o resto da história não é real. Em relação a Rosa e n, qualquer semelhança com muitas realidade é pura coincidência, não só não sou o n como nunca conheci nenhuma Rosa, gosto mais de malmequeres.

14/11/2009

reflexo V

- Sabes que te tenho onde quero não sabes? - diz Rosa do quarto. n, na sala, fingiu que não ouvia mas Rosa continuou: - Sabes que te tenho onde quero? n manteve-se impávido e Rosa insistiu: - Ouves-me, sei que me ouves. Mas de n nada, nem um pio, inundada por um silêncio que pesava nas entranhas, Rosa, enquanto se dirigia para a sala, dizia cada vez mais alto. - Sei que me ouves, tu ouves sempre e muito bem nesses ouvidos de tísico. Chegada à sala Rosa viu-se sozinha. n não estava onde ela queria. reflexo IV Reflexo III Reflexo II Reflexo I

12/11/2009

idade

- A idade é uma merda. A frase de Manuel Zacarias Segura Viola, homem observador e prático, apanha o seu amigo José Tobias Taramouco mais distraído que desprevenido. Como se ninguém o tivesse ouvido, Zacarias procura o olhar do amigo e volta a repetir acrescentando um adjectivo como que procurando uma maior atenção. - A idade é uma grande merda. Tobias, rapaz mais dado a literaturas e filosofias, já refeito obriga-se a responder em forma de pergunta. - Porque é que dizes isso? - Porque o tempo gasta-nos, cansa-nos, dá-nos cabo dos ossos... José Taramouco replica sem deixar o amigo acabar. - Torna-nos mais sabedores, mais preparados, mais... - Porra. Lá vens tu com as tuas filosofias - diz, abruptamente, Manuel Zacarias - não sentes no corpo, nos músculos, nessa cabeça cada vez mais distraída? Tobias, vendo o desnorte do amigo não desarma. - Que se passa contigo, preferias ser o puto parvo de vinte anos a vida toda? Não leste mais livros, não viste mais mundo, não te sentes melhor pessoa, não amaste mais? - Outra vez - interrompe Segura Viola já irritado - falo do corpo, da carne e tu falas-me de livros e de amor, deixa-me dizer-te uma coisa sobre o amor. Da adolescência aos vinte e cinco dás três, quatro, às vezes cinco, dos vinte cinco aos trinta andas pelas três às vezes duas, dos trinta aos trinta e cinco passas para duas às vezes três, dos trinta e cinco aos quarenta passas para uma e raramente duas, a partir dos quarenta passas para uma e, na melhor das hipóteses, no dia a seguir mais uma. Tobias, mais taramouco do que o Taramouco do próprio nome, abre os olhos para o amigo tentando responder mas Zacarias antecipa-se: - E não me venhas com a história da qualidade. José, ainda Taramouco de nome e de estado, após uma pausa diz cabisbaixo: - A idade é uma merda.

10/11/2009

continuamos na paróquia

Se, por regra, os amigos se viessem, as amizades não duravam muito. Obrigatório, texto integral aqui http://a-leiseca.blogspot.com/2009/11/amizade-e-fodida.html

09/11/2009

pequenez

Depois de uma série de goleadas parvas e outras falhadas de forma parva, de uma derrota mais devido à pouca sorte do jogo e do sistema que da equipa, a goleada falhada hoje de parva não teve nada e a vitória por 1 golo deixou-me mais contente que se ganhasse pelos cinco ou seis que merecia. Uma vitória de campeões cheios de raça e vontade de jogar à bola, arrancada a ferros a uma equipa que, sem eu perceber porquê, recebeu elogios de todos os comentadores, claro que não espero que as equipas que vão à Luz abram uma passadeira vermelha para os jogadores do Benfica passar, mas espero que façam mais do que mandar biqueiradas em forma de balão para a frente, acho que nem aqui no Cova da Piedade se usa hoje em dia. Por incrível que pareça, depois de uma série de tiros ao boneco (grande boneco aquele guardião da naval) e outros à barra, às traves e sei lá que mais, o importante foi a única oportunidade da Naval aos 92 minutos de jogo, outra vez, aos 92 minutos. Até no futebol temos o País que merecemos.

evolução

Mas antes o autor conta-nos o terramoto, depois de ter entrado no livro apresentando a entrada de um barco no rio Tejo em Lisboa (Cap. 1, “Quem nunca viu Lisboa não viu coisa boa”), e de ter apresentado o rei que reinou em Lisboa na primeira metade do século XVIII, D. João V, para uns o Magnânimo e para outros o Freirático (Cap. 2, “Na corte do rei D. João”). A impressão que Paice transmite sobre o século XVIII português é a mesma que os viajantes ou residentes estrangeiros deixaram, até porque o autor se baseou em larga medida nas fontes britânicas (e irlandesas), nomeadamente as dos comerciantes dessa nacionalidade que aqui se encontravam na época, dada a existência de alguma protecção ao seu comércio em troca da protecção oferecida nos mares pela Royal Navy. Portugal era, para os estrangeiros que nos demandavam e que aqui se estabeleciam, um sítio algo distante e exótico. Apesar da riqueza que D. João V tão exuberantemente ostentava (em grande parte proveniente do Brasil) era, sob vários pontos de vista incluindo o cultural, um país atrasado relativamente aos países da Europa Central e do Norte. Segundo viajante Arthur Costigan, citado por Pairce, era como se “Igreja e estado concordassem ambos em manter a nação naquele estado de escravatura, ignorância e pobreza do qual dependia a sua própria conservação e segurança.” Aqui http://dererummundi.blogspot.com/2009/11/ira-de-deus.html E assim continuamos.

08/11/2009

rir

Ontem no minuto de silêncio no jogo dos meus putos alguns começaram a rir, de cabeça para baixo envergonhados mas a rir, o que é normal em crianças entre os 8 e 11 anos. Alguns adultos estavam chocados mas eu preferi rir com eles, porque não, se muitas vezes são palmas porque não risos, para mais assim simples e espontâneos.

06/11/2009

Humberto Borges

Sou um tipo que gosta de rir da vida e com a vida e, principalmente, rir de mim próprio, dos falhanços, das pequenas vitórias, de alegria e, também, das tristezas. Esta semana foi particularmente difícil e se me ri algum dia, hora ou minuto, não consigo ou quero lembrar agora. Entre o impacto da morte do António Sérgio no principio da semana, a morte do Humberto na quarta e o funeral hoje, o espaço e disposição para a ironia foi pouco. O Humberto foi meu treinador de andebol e um amigo, daqueles que não é preciso estar sempre a aparecer mas que sabemos que estão lá. Nestes últimos anos, voltámos a aproximar-nos, regressei ao meu clube, agora eu como treinador, e ele lá estava, como sempre, quarenta anos dedicados ao desporto, ao andebol, às crianças, tudo sem ganhar um tostão. Há trinta anos, organizou o primeiro torneio internacional de andebol para jovens da Europa e nunca mais parou, até agora. Ainda conseguiu acabar o sonho dele, um livro sobre a história do andebol no Concelho de Almada, um levantamento que lhe levou dez exaustivos anos. Aqui http://www.abola.pt/nnh/ver.aspx?id=181818 falam em doença prolongada, felizmente não foi tão prolongada quanto isso, ainda há três semanas lá estava no pavilhão a ver um jogo, com algumas dores mas ainda com esperança, com a mesma esperança que nos faz continuar. Amanhã lá estarei com os meus meninos para mais um jogo, sabendo que, perdendo ou ganhando, vou rir outra vez.

brilhos

Fotografias: Mafalda Paiva

05/11/2009

match point

Match Point começa com uma metáfora, uma bola de ténis balouça na rede indecisa no lado para o qual irá pender, ao mesmo tempo uma voz-off centra toda a temática da narrativa no acaso da sorte e do azar e na direcção que essa casualidade aleatória nos proporciona nos diferentes caminhos e descaminhos da vida. Com um tratamento invulgar de uma história banal, Woody Allen consegue suscitar o interesse bem como um pensamento mais profundo sobre alguns comportamentos, atitudes e acções que fazem a nossa existência. Neste filme, o realizador utiliza uma linguagem filosófica, derivada de acções e comportamentos com motivações profundas, que têm origem em filósofos como Nietzsche, onde a vontade de poder não é tão só uma aspiração, mas uma necessidade intrínseca ao ser Humano. Woody Allen consegue traduzir este pensamento de forma exemplar através da frieza calculista e da altivez meio indiferente do personagem principal, o instrutor de ténis Chris, bem como da ironia com que determinadas esferas da sociedade, neste caso Londrina, são apresentadas. Ao contrário dos habituais fundos de Jazz usados na grande maioria dos seus filmes, em Match Point o enredo surge-nos com peças trágicas de Ópera, como que entreabrindo a porta a um desfecho adverso a conceitos considerados consensuais. A predominância dos tons amarelo forte, vermelho e preto, especialmente nas cenas entre Nola e Chris, realça a emotividade, a paixão mas, também, a possibilidade de tragédia nesta relação, em grande contraste com as cores claras e frias do apartamento de Chris e da mulher Chloe. Ao nível dos planos o mesmo acontece, enquanto com Nola e Chris assistimos a uma insistência em planos relativamente fechados, realçando as reacções, a intensidade e a intimidade de ambos, nas cenas com Chloe, essencialmente, temos planos gerais reveladores da distância e da indiferença calculista desta relação. Através de um argumento (logos) sólido, baseado em clássicos, a que não são alheias as claras referências a Dostoievski ou, também, de forma menos perceptível a Nietzsche, neste filme, Chris define o ethos de toda a trama ao cotar-se como um destruidor de noções e definições praticamente unânimes e universais como a paixão e o amor. Assim, toda a acção suscita uma emotividade (pathos) que advém dessa vontade de poder como uma lei originária que surge da própria realidade das coisas e das pessoas. É Nietzsche quem diz que “a vontade de poder não é nem um ser, nem um devir, é um pathos”. Nesta trama dramática, Woody Allen foge ao personagem-tipo dos seus filmes, como por exemplo, o criador neurótico, a intelectual atormentada ou o génio desastrado, talvez por, pela primeira vez, ter filmado fora de New York, cidade querida do realizador. A concepção das personagens pretende reflectir a alta sociedade Londrina, de que é exemplo toda a família de Chloe, especialmente o seu irmão Tom, mesmo Nola e Chris revelam um carácter mais real ou, talvez, mundano, do que os arquétipos habituais usados em filmes anteriores do cineasta. Não deixamos, contudo, de ter personagens complexos e interessantes, com várias situações de carácter duvidoso e ambíguo, onde as motivações e acções não são claras, como exemplo temos o caso de Chloe que parece compor um personagem sincero que ama/gosta??, pretendendo apenas estar ao lado e ajudar Chris, porém não deixa de, subtilmente, o direccionar ao mesmo tempo que controla o desempenho e ambições do marido. Tom é um hipócrita, ainda que disfarçado mas um hipócrita, apesar de aceitar e até apreciar Chris, não deixa de o qualificar como “irlandês”, numa alusão às diferentes origens de ambos, como que dizendo, até me divertes mas sei de onde vens. Esta dualidade aplica-se de forma mais intensa ao protagonista, quando no início Chris nos aparece como uma pessoa interessada em cultura, orgulhosa, com carácter e boas intenções, com o decorrer do filme vamos percebendo a fragilidade e incoerência do seu comportamento na tentativa de impressionar o futuro sogro e família. Nola personifica uma das personagens mais clássicas do cinema, surgindo como uma mulher fatal, embora na segunda parte do filme, quando regressa a Londres, sofra uma inversão, aparecendo-nos frágil, ingénua, romântica e, ao mesmo tempo, sincera como nenhum outro personagem neste filme. Na segunda parte do enredo, Woody Allen consegue surpreender-nos, não só com a continuação de uma construção sólida dos diálogos e da história, como com uma mudança repentina, onde começa a mostrar o lado mais profundo, obscuro e tenebroso daquelas personalidades. Subtilmente, já o realizador nos tinha preparado para esta situação, com a referência visual a Crime e Castigo de Dostoievski, com uma frase ocasional dita por Nola sobre episódios ocorridos no seu prédio, o combinar do plano inicial da bola de ténis, qual vida ou sorte para cá e para lá, com o plano da bola de ping-pong quando Chris e Nola se conhecem, e, principalmente, a genial interligação entre a câmara lenta do plano inicial com a câmara lenta de Chris a atirar a aliança ao Tamisa que, suspensa como a bola, acaba por cair para o lado em que o jogador perde o ponto, deixando o espectador na expectativa perante a sorte, neste caso azar, que daí advirá. Nesta história de ambição, amor, desejo, paixão, traição, crime, culpa, enganos, desenganos, azar e, sobretudo, sorte, a surpresa chega-nos na forma como Chris escapa ao azar e à justiça. Segundo o próprio Woody Allen, a situação que se passa neste filme acontece muitas vezes no nosso quotidiano. “Penso que há uma enorme quantidade de injustiças e de crimes manifestos que se cometem diariamente em todos os extractos da sociedade, que ninguém castiga, e, com frequência, ainda são recompensados generosamente por tal acto”. Alguém tem dúvidas?

02/11/2009

tempo

Hoje a seguir ao almoço enquanto ia para o estúdio no carro, ainda com o pensamento no António Sérgio, ouvia a radar e aproximadamente na hora em que se realizava o funeral, a voz, aquela voz que o meu filho diz, carinhosamente, que faz sono, ouvia-se como se estivesse entre nós. E talvez por causa do vento que, devagar, empurrava as nuvens num céu azul brilhante, talvez porque o sabor do som me soubesse bem entrecortado, a espaços, pela aquela voz grave e profunda, talvez porque o paradoxo daquela ausência presente me confundisse, talvez porque aquele tudo me parecesse tão estranho, parei o carro à porta do estúdio e ali fiquei a olhar as nuvens, a ouvir o som, deixando que o tempo me enganasse. Só mais um bocado por favor.

tudo

Aqui estou, consumindo o cérebro Porque ele pensa, estranhamente ele pensa, porque ele mente, lucidamente ele mente. E enquanto vagueia o pensamento a vida corre lá fora, como um rio ou um comboio numa linha interminável. Mas que importa, sim que importa, se de uma forma ou doutra ela corre sempre no mesmo sentido. Sabem do que estou a falar Da morte. E aí é o fim, tudo desaparece. Tudo?

António Sérgio

Quando John Peel morreu, lembro-me de ter comentado que ainda tínhamos o nosso António Sérgio, tristemente já não temos. Mais do que muitos críticos que leio desde puto, foi com o António Sérgio, no programa Som da Frente e outros que se seguiram, que arrepiei caminho na música. Numa altura em que os meios eram poucos, o Som da Frente foi uma ilha diferente e fascinante, com o António aprendi a conhecer, a ouvir e a gostar de boa música. É uma dívida que só posso pagar continuando a amar a música como ele amava.