20/09/2012

portugal

bom dia

As manifestações aquecem o coração de Manuel Zacarias Segura Viola. Desde tenra idade, levado pela mão do pai, que Zacarias caminhava e dizia palavras de ordem bonitas como O Povo Unido Jamais Será Vencido. Nessa altura, as pessoas manifestavam-se contra algo e a favor de outro algo, nestas novas aglomerações facebookianas sabemos contra o que são, mas Zacarias pergunta: são a favor de quê?

12/09/2012

uma carta

Exmo. Senhor Primeiro Ministro














Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe. 

Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal. 

Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia. 

A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.

Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.

Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.

Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo. 

De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa 

10/09/2012

morangos com cultura


O que está em jogo no debate cultural português, aqui e agora, 2012, não é saber o que se inscreve na cultura e o que fica de fora, supostamente entrando no espaço intocável (?) e inimputável (??) do divertimento. O que a ideologia de esquerda foi recalcando, acabando por ser consagrado pelos discursos de quase todas as forças sociais e políticas (a começar pelos partidos de esquerda e de direita), é um facto seco e linear: nenhuma intervenção pública é exterior à cultura. A cultura não é necessariamente um lugar de apaziguamento colectivo, mas sim um palco permanentemente agitado pelas diferenças que nele se explicitam.
Por alguma razão, o debate em torno do futuro da RTP é, globalmente, tão pobre. A noção de “serviço público” tornou-se mesmo um mero avatar ideológico (mais uma vez de esquerda & direita) através do qual se mascara uma dramática ausência de verdadeiros projectos políticos para o espaço televisivo – décadas de indiferença (política) em relação à televisão como peça central da dinâmica social não poderiamdar outro resultado.
Neste contexto, Morangos com Açúcar promove uma visão patética dos jovens como totós muito contentinhos, de sexualidade sempre imaculada, que conseguem proferir três devastadoras banalidades em cada conjunto de duas frases (supondo que, em algum momento, se passa da preguiça do soundbyte para a exigência da frase). Isto para além de explorar uma estética de imagem/som que nada mais tem para dar a não ser a retórica dos mais banais dispositivos publicitários. Ora, importa dizer algo de muito simples e radical: tal visão é eminentemente cultural, já que produz e consagra valores existenciais, valores de representação, valores de comunicação.
O problema não está em proclamar que qualquer filme de Manoel de Oliveira é melhor que Morangos com Açúcar (quem quiser dizer o contrário, que o faça). O problema está na cedência ideológica que a esquerda protagonizou – e, não poucas vezes, promove através de uma cega boa consciência –, gerando esta apatia social: tudo o que é medíocre, repetitivo e adequado aos valores mais fortes do mercado parece estar ilibado de qualquer responsabilidade social; tudo o que, artisticamente, escapa ao império dos estereótipos surge imediatamente recoberto por um véu de suspeição.
No limite, perdeu-se pelo caminho um dos valores viscerais do frágil e contraditório imaginário do 25 de Abril. A saber: o de que importa pensar tudo, incluindo a economia, em termos culturais.

Quem ganhou com isto?

O membro do Banco Central da Islândia Gylfi Zoega diz que Portugal deve investigar quem está na origem do elevado endividamento do Estado e dos bancos.

aqui: http://economico.sapo.pt/noticias/islandia-defende-investigacao-ao-governo-portugues_117513.html

04/09/2012

granda tango

ratas à caça

Não era propriamente necessário um estudo, feito por Doutores, Antropólogos, Psicólogos e sei lá mais o quê, para se constatar uma realidade com  muitos séculos, mas nesta altura este estudo vem mesmo a calhar. E cada vez mais floresta a arder, não tenha tudo sido já depilado.
Em tempo de crise, as mulheres investem mais na beleza para caçar homens ricos, garante estudo norte-americano.
"jornal i" escreve que numa altura em que o mundo vive numa das maiores crises económicas da História, as mulheres investem cada vez mais na beleza. Porquê? "Querem tornar-se mais sedutoras para conquistar companheiros em boa situação económica".
Goste-se ou não da conclusão, é isso mesmo que defende o estudo norte-americano "Boosting Beauty in an Economic Decline: Mating, Spending, and the Lipstick Effect", divulgado numa publicação especializada em psicologia social e estudos da personalidade no "Journal of Personality and Social Psychology".
"Os estudos demonstram uma relação de causa e efeito entre a situação de recessão e o desejo das mulheres de comprar produtos específicos que acreditam que as vão tornar mais atraentes para o sexo oposto", explica a coordenadora da investigação, a antropóloga Sarah Hill.
De acordo com a antropóloga, as mulheres querem sempre ter parceiros com bons recursos financeiros mas em períodos de crise ainda dão mais importância a esse aspecto. "Décadas de pesquisas sobre as preferências masculinas das mulheres demonstram que essa é uma qualidade para a qual as mulheres dão mais importância"


03/09/2012

arder

Hoje no treino do meu puto em Benfica, debaixo de um ar podre de fumo de floresta a arder e de um calor infernal, lá me saiu um "esta merda devia era arder toda". As pessoas não percebem, ou não querem perceber, anda tudo tão enterrado e a focinhar no seu mundinho, que só mesmo quando esta merda arder toda é que vão acordar.
Felizmente há quem perceba.


Regresso debaixo de um calor infernal, transformado numa extensa nuvem negra ainda antes de avistamos a ponte de Santarém. Paro nos Vidais para atestar o depósito. Cai cinza do céu como se nevasse, autênticos flocos de neve metendo-se pelas narinas adentro e dificultando a respiração. Na caixa de correio, cerca de 50 folhetos anunciam o regresso às aulas. Concluo que as aulas transferiram-se da escola para as superfícies comerciais. Vou explicar isso mesmo às minhas filhas: se querem conhecer o mundo que vos espera, atentem-se neste fenómeno. Têm aqui leitura para a vida que poderá ser-vos muito útil na aprendizagem da matemática (comparar preços), da língua portuguesa (interpretar campanhas) e do estudo do meio (pensar sobre o assunto). O cenário é desolador, deprimente. Chamam a isto progresso, a este mergulho dos homens num desespero consumista que torna insuportavelmente frenética a vida quotidiana. Não me conformo e sofro, expresso aqui o meu sofrimento. Os incêndios no país são a alegoria perfeita de um certo conceito de civilização onde acontece à humanidade o mesmo que sucede à floresta, tudo arrasado, queimado, uma ruína em cima dos olhos de toda a gente e toda a gente a olhar para o lado como se ainda fosse possível esperar pela morte sem nos darmos conta do pântano onde estamos a enterrar os nossos filhos. Parece-vos depressivo, o discurso? Sofrerei eu de neurastenia? Abram os olhos, olhem à vossa volta, e digam-me se estou errado.

aqui : http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.pt/2012/09/regresso.html

caçar ratos ó Zacarias

bom dia

Ultimamente, uma pergunta anda a deixar Manuel Zacarias Segura Viola com os cabelos mais desgrenhados e o coração mais inchado. Quando não nos revemos no passado, temos dúvidas sobre o presente e não vislumbramos futuro, que fazemos?

discordâncias

A que no mundo tudo é fatal, inclusive a liberdade: há quem nasça com ela e quem nasça com a sua negativa, devendo-se sempre, em qualquer caso, supor que se nasceu com liberdade, estando mais próximo do divino aqueles a quem a liberdade tiver sido dom do fatal; ora digam-me, não é a liberdade de Deus uma fatalidade? Será que pode ele, ao mesmo tempo que todo-poderoso, deixar de ser livre?E por aqui me fico: examinareis e sacudireis todas as opiniões e só provisoriamente aceitareis como vossas as que convosco um todo lógico, ainda que o não possam constituir com outras opiniões que igualmente considereis vossas. O que é fundamental é que sejais sempre inteiramente vós, mesmo que os outros vos considerem ilógicos e incoerentes. Opinião esta minha ou nossa, de que podeis e talvez devais discordar e a discordar convidareis vossos amigos: a discordância anima, o aplauso estagna.

Agostinho da Silva