26/11/2012

e a distância de tudo


É um cancro nos pulmões, projectado no ar pelas palavras
e um odor fétido paira sobre todas as coisas
sobre o mármore fino dos balcões
sobre as árvores agora sem folhas
sobre a calçada dos passeios
sobre a terra alcatroada a negro
sobre a cinza dos mortos
sobre a ausência sem direcção.

É um cancro no estômago, que separa as entranhas
e um mal-estar constante que revolve o corpo
sobre a pele gretada no tempo
sobre a carne flácida na inércia
sobre as pernas cansadas
sobre os dedos sem tacto
sobre os ombros caídos
sobre a perda das horas.

É um cancro nos intestinos, tornados vísceras secas
e uma náusea solitária que encurrala o querer
sobre a vastidão confinada do espaço
sobre a erosão lenta das rochas
sobre o cimento armado dos edifícios
sobre a finitude da areia
sobre o granito das casas
sobre a espuma dos dias.

É um cancro na próstata, violada no desejo de vontade
e uma solidão profunda cavada na impotência
sobre um piano desafinado
sobre um pássaro mudo
sobre um contrabaixo sem cordas
sobre um cavalo domesticado
sobre um trompete sem boca
sobre o calor do fogo apagado.

É um cancro no cérebro, ampliado no imo do espírito
e a incerteza fotográfica de todas as imagens
sobre o passado sem história
sobre o presente sem futuro
sobre o livro sem palavra
sobre a voz sem som
sobre o peito sem nervo
sobre o pensamento perdido.


Sobre a vida
e a distância de tudo.

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