Por isso não me prende o menino virtuoso; a bondade só é nele o estado natural; antes o quero bravio e combativo e com sua ponta de maldade; assim me dá a certeza de que o terei mais tarde, quando a vontade se afirmar e a reflexão distinguir os caminhos, com material a destruir na luta heróica e a energia suficiente para nela se empenhar. O que não chora, nem parte, nem esbraceja nem resiste aos conselhos há-de formar depois nas massas submissas; muitas vezes me há-de parecer que a sua virtude consiste numa falta de habilidade para urdir o mal, numa falta de coragem para o praticar; e, na verdade, não posso ter grande respeito pelas amibas que se sobrevivem.
Para o que é bom por ter nascido bom e a única virtude consistiria em ser mau; aqui se mostrariam originalidade e coragem, mérito, portanto; porque ser mau por ter nascido mau só lhe deveria dar, como aos do lado contrário, o direito ao eterno silêncio. Por aqui se compreende que as vidas dos Sorel tenham sempre ressonância nas almas Stendhal; e também a sensibilidade, a delicadeza, todo o fundo de boas qualidades de certos grandes criminosos. Sei bem os perigos que tal doutrina pode ter transportada ao social e sei também a maneira de pôr de lado a objecção, alargando o conceito de virtude, dando-o como o desejo de superar e não como o desejo de combater; mas de propósito fiquei no que a virtude tem de luta entre a natureza e a vontade.
Agostinho da Silva, in 'Considerações'
Sublinhados meus.
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