16/06/2009

Vida nos olhos dentro. Neste deambular distraído entardece. No rio vêem-se quase todas as cores do dia, um dourado púrpura indefinido que, onde o sol não reflecte, se transforma num prata espelhado anunciando a noite. Os cacilheiros num vai e vem ininterrupto de pessoas, com pensamentos, vontades, ambições, sonhos, tudo a cores e em três dimensões, largura, altura e profundidade. Luz que me atravessa a córnea, o humor aquoso e o cristalino, transformando-se em filme fotográfico na retina, ilusão invertida que o nervo óptico leva ao cérebro que processa a imagem como a vejo. Mas como a sinto? Na altura da minha profundidade, cristalino o meu humor, sorrio e retenho o nervo na ansiedade que este todo me faz. Penso, admiro e recomeço o processo invertendo-o. Imagem, cérebro, nervo, retina, cristalino, humor, córnea e, finalmente, luz. Claridade que, devagar, se vai com o sol. Neste entardecer fixo-me nas sombras escusas e na bola de fogo que é sol caindo por trás das colinas. Bom seriam sete sóis, um para cada colina, com sombras infinitas entrecruzando-se na cidade, fazendo desenhos abstractos na abstracção que sou, construídos no corpo, do corpo, para o corpo. Deste pensamento sobra a imagem que deixo lá a atrás, qual vulto peregrino que já não existe, que a luz condensou na claridade e levou para longe. Penso na amálgama de cores que começo a deixar fugir e, a leste de mim, na noite que chega de este, céu escuro à minha esquerda para o rio virado, reflecte-se todo um dia cheio que também vou perder. Mas, por enquanto, ainda tenho uma réstia, uma réstia onde toda a estranheza do dia se concentra, onde toda a dinâmica de sentidos se arruma. Neste breve momento nada nos separa, tu és tudo dentro de mim e as cores que fogem também. Nos meus olhos está tudo, a claridade que consegui encontrar, finalmente, as encenações mal paridas que fiz e faço, os paradoxos sempre irresolúveis, a luz que absorvi sôfrego, as colinas, os deuses, a solidão, a cidade, o rio. A noite são meus olhos, agora sem luz.

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