26/12/2010

o homem teórico

Sempre pensei que o mundo devia ser plano e navegasse pelo universo. Como um barco fantasma à deriva pelo espaço, sem tempo, sem mitos, sem deuses, sem conceitos nem precisões. A justiça embrulhada num papel largado ao vento, o pensamento atirado para uma lua qualquer, a filosofia transformada em estrume para adubar a terra e o sonho a noção premente de continuar a navegar. Mas não é. Neste ideal ganho a noção das dores que me afligem e, como um passo trocado, fico com comichão nas virilhas. Cravo as unhas e coço, mas quanto mais coço mais cresce, este sentimento inútil da inutilidade, esta inutilidade inútil do sentimento e da comichão que não acaba. Então, continuo a coçar até a carne ficar rosada, quanto mais coço mais vivo fico, quanto mais vivo fico mais vermelho estou, um fio de sangue desafia-me. Olho-te pasmado e sigo-te o caminho, vejo a trajectória e procuro um sentido, observo-te, analiso-te, estudo-te e recolho a informação. Insiro e processo todos os dados, cientificamente, entre todas as possibilidades apenas concluo que a comichão não me passou. Só espero que não me passe para os colhões.

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