25/10/2012

Casa dos Segredos ou a bondade televisiva


Há dias, nos minutos de Casa dos Segredos (TVI) que acompanhei, a apresentadora do programa insistia com os concorrentes para lhe dizerem se tinham ou não tinham estado “debaixo do edredon”... Mais do que isso: se admitiam que, nos dias mais próximos, iam estar “debaixo do edredon”... Presente na plateia, a mãe de uma das concorrentes foi mesmo solicitada a comentar o facto de a sua filha ter estado, ou poder vir a estar, “debaixo do edredon”... (e a humilhação a que a incauta senhora foi sujeita não foi das coisas mais agradáveis de observar).
Acontece isto num espaço televisivo em que, ciclicamente, nos impingem também uns programas muito sérios em que alguém modera conversas seriíssimas sobre temas de inquestionável seriedade. Temas como, por exemplo, a educação sexual...
E o mais espantoso já nem é o facto de a televisão, como sistema de linguagens, alimentar esta esquizofrenia mediática de nos vender os horrores do Big Brother e seus derivados, ao mesmo tempo que, ciclicamente, assume um ar muito sério para nos querer convencer que está preocupada com as atribulações dos humanos. O mais espantoso é que, sempre que se discutem as chamadas questões transversais, a própria televisão não seja convocada para o diálogo.
Fala-se da quebra de índices de leitura e ninguém fala de televisão... Fala-se da fragilização da consciência política dos cidadãos e ninguém fala de televisão... Fala-se de sexualidade e educação sexual e ninguém fala de televisão... E há sempre aquele momento em que algum dos convidados mais cândidos diz: “Seria importante perceber o papel da televisão na conjuntura que estamos a discutir...” Quase sempre também, há um moderador atento que esclarece: “Pois, isso é muito interessante, mas o nosso tema não é esse.”
Uma coisa é certa: através de tais práticas, a televisão alimenta as mais delirantes formas de fingimento, como se o mundo fosse um interminável espectáculo de coisas malignas, aqui e ali resgatado pela bondade inquestionável das mensagens televisivas. E tudo isso, heroicamente, por cima do edredon.

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