18/09/2008

à ausência

Preciso da ausência que sou, e de todos os sonhos onde faço o sonho que prefiguro, arrebate falhado de um espírito inconsequente. Esvoaço sem tino, ausente, sempre ausente nesta ausência que sou. Ausência do real no abstracto onde penso, sem voz, sem presença, sem graça, sem garra, sem palavra. Não conheço aventuras, romances ou amores, não parto, fico ou continuo, não partilho, espero ou alcanço, não ofereço nem recebo, não invento nem desejo, na realidade que dizem, fazem e vivem. Ausência no vazio que sinto e sou. Ausência no nada absurdo que não sei. Ausência no espaço e tempo. Ausência na imagem que não vislumbro. Ausência de concretos que não encontro. Ausência de entidade. Ausência de possibilidades e infinitos. Ausência de um passado ou presente. Ausência de um futuro ausente. Ausência de corpo e espírito. Assim sou eu, sombra ausente, sempre ausente nesta ausência que sou. Sou o sonho presente em mim, o sonho que me leva de mansinho e me ensina todas as coisas, todas as letras que me afagam todas as palavras onde me deito, todas as frases onde adormeço e repouso. Neste lençol de linho branco existo, com alma, com promessas, com palavras, com verdade. Sou o sonho que quero e faço, onde construo todos os possíveis, espartilho o espírito, divido-o e multiplico-o, faço, desfaço e refaço impérios. Escalo o Everest e digo olá às nuvens, ofereço-lhes todas as lágrimas que, em água doce, levam-me a mágoa. E a chuva cai. Ao vento conto segredos, em sigilo disfarçado resguardo-os e disperso-os em grãos finos de areia. E as dunas embalam-me. No céu escrevo cartas, todas as cartas com todas as letras que encontro, cartas de paixão e amor, enrolo-as em metáforas papel e sopro. E o céu abre-se. Nesta ausência feita de sonho construo a eternidade. Não quero ser vagabundo, aventureiro, boémio, lunático ou poeta. Só poesia.

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