18/09/2009

Aí vou eu, desligado de tudo, em modo off de mim mesmo, máquina estrépida de alta velocidade em quinta abrir, norteado por uma bússola interior de parábolas inquietantes. E o vento empurra-me, qual folha caída deste Inverno, este pensamento provoca-me um esgar e deixa-me feliz, hoje sou como uma folha levada pelos ventos em festa. Preso na liberdade retórica deste pensamento avanço, passo passos em passeios, caminhos, estradas, lugares, e a cidade passa por mim. Desejos, desespero, sorrisos, indiferença, nervos, muitos nervos frenéticos, verves mil e a minha também. Hoje a cidade sou eu. Se existissem caçadores de almas e pudessem ser caçadas, apanhadas na distracção de um olhar no virar de uma esquina, que manjar dos Deuses teríamos neste dia claro. Se existissem açambarcadores de espíritos e pudessem ser açambarcados, perdidos na solidão de um lugar qualquer sem destino, que orgia no Olimpo e sete colinas para pôr a mesa. Se existissem umas escadas até à nuvem mais próxima, treparia degrau a degrau até ao topo e sentar-me-ia nela, aconchegado, olharia para baixo e ria sozinho. E se existisse um céu grande onde me pudesse deitar, apartaria toda a luz e regava de raios as colinas, nesta minha cidade, branca, a claridade seria eu. Mas não sou. Sou apenas este vulto de negro vestido, que se move andando por entre as cores. Nesta corrida retenho tudo, todos os ângulos de recantos e linhas rectas certas, feitas depois das curvas e contracurvas deste vai e vem. Todos os cruzamentos, entroncamentos e ligamentos, que ultrapasso e acumulo dentro de mim, como um maremoto da alma em erupção continua. Todas as casas, prédios, jardins e bancos, pedra que contemplo e de onde contemplo o que vejo, este todo prometido que agarro e deixo fugir por entre os passos. Todo o alcatrão e estradas que fazem o caminho, p’ra baixo p’ra cima ao som da concertina, imaginário incoerente que raza a razão. O caminho será este? Se o faço será, se o piso é. Assim em frente, que tudo vale a pena quando a alma caminha. Ligeira embriaguez que agarro neste tudo, que são carne, pés, pernas, tronco, braços, cabeça e olhos, abandonados na melancolia de um sentir vago intenso. Se me ofereceres só mais um copo, salto por ti acima, acima de ti subindo e ergo-me desta solidão. Serei um pouco mais de mim. E eu consigo, por vezes consigo ser um pouco mais, mais vontade, mais determinação, mais ilusão, mais sonho. Na minha falta de fé começo a ver deuses e a acreditar na claridade que o vento trás. Olho para todos e vejo-te a ti, despida, nua, completamente nua, exposta, os meus olhos espreitam. Olho para tudo e sinto-te toda, na calçada, nos carros, nos eléctricos, nas lojas, no rio, humidade que desagua em mim. Nas árvores, ramos que se aconchegam em mim. Na terra, fertilidade que se oferece a mim. No céu, estrelas, planetas, luz que fazes que sou, claridade em mim. Vida nos olhos dentro. Neste deambular distraído entardece. No rio vêem-se quase todas as cores do dia, um dourado púrpura indefinido que, onde o sol não reflecte, se transforma num prata espelhado anunciando a noite. Os cacilheiros num vai e vem ininterrupto de pessoas, com pensamentos, vontades, ambições, sonhos, tudo a cores e em três dimensões, largura, altura e profundidade. Luz que me atravessa a córnea, o humor aquoso e o cristalino, transformando-se em filme fotográfico na retina, ilusão invertida que o nervo óptico leva ao cérebro que processa a imagem como a vejo. Mas como a sinto? Na altura da minha profundidade, cristalino o meu humor, sorrio e retenho o nervo na ansiedade que este todo me faz. Penso, admiro e recomeço o processo invertendo-o. Imagem, cérebro, nervo, retina, cristalino, humor, córnea e, finalmente, luz. Claridade que, devagar, se vai com o sol.

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