11/09/2009

ossos

RESTOS MORTAIS O que de nós mais dura: só esqueleto que nos fez ósseos mais do que moluscos. O resto acaba tudo: quanto foi sentidos, vontade, amor, inteligência, carne, e sobretudo sexo, o sexo acaba e se desfaz na mesma pasta informe e fim de tudo que não é só ossos, apenas os detritos da armação mecânica de que se pendurou por algum tempo, em sangue e carne, o porque somos vida. E aquilo com que a vida se gozou ou por acaso vidas foram feitas, acaba como o mais – e os ossos ficam, dos deuses esburgados. Porque os deuses temem que sobreviva o sexo em de que morrem na liberdade de existir-se nele. A PORTUGAL Esta é a ditosa pátria minha amada. Não. Nem é ditosa, porque o não merece. Nem minha amada, porque é só madrasta. Nem pátria minha, porque eu não mereço A pouca sorte de nascido nela. Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta quanto esse arroto de passadas glórias. Amigos meus mais caros tenho nela, saudosamente nela, mas amigos são por serem meus amigos, e mais nada. Torpe dejecto de romano império; babugem de invasões; salsugem porca de esgoto atlântico; irrisória face de lama, de cobiça, e de vileza, de mesquinhez, de fatua ignorância; terra de escravos, cu pró ar ouvindo ranger no nevoeiro a nau do Encoberto; terra de funcionários e de prostitutas, devotos todos do milagre, castos nas horas vagas de doença oculta; terra de heróis a peso de ouro e sangue, e santos com balcão de secos e molhados no fundo da virtude; terra triste à luz do sol calada, arrebicada, pulha, cheia de afáveis para os estrangeiros que deixam moedas e transportam pulgas, oh pulgas lusitanas, pela Europa; terra de monumentos em que o povo assina a merda o seu anonimato; terra-museu em que se vive ainda, com porcos pela rua, em casas celtiberas; terra de poetas tão sentimentais que o cheiro de um sovaco os põe em transe; terra de pedras esburgadas, secas como esses sentimentos de oito séculos de roubos e patrões, barões ou condes; ó terra de ninguém, ninguém, ninguém: eu te pertenço. És cabra, és badalhoca, és mais que cachorra pelo cio, és peste e fome e guerra e dor de coração. Eu te pertenço mas seres minha, não. Jorge de Sena Embora agora não faça diferença nenhuma, não será um abuso fazer regressar quem nunca quis voltar?

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