19/10/2009

em sintonia

Tenho-me ficado por aqui, neste mar manso, como os bois. Já não escrevo há tanto tempo que o tempo não lembra, mas hoje aconteceu-me algo triste, realmente triste. Tive um vizinho em minha casa que a mulher morreu faz dias, veio pedir-me um favor e acabou a chorar-me as paredes. Invejei o desespero franco deste homem, a nobreza, o carácter e a verdade diante de mim. Sou uma mentira, um pechisbeque dos sentimentos. Existe tristeza maior que uma tristeza sem sentido? Um cancro, dois cancros, três cancros, quatro cancros, e eu a vê-los passar, incólume, absurdamente intacto. Histórias de força, de luta, de desespero e muitas de fé, sentimentos que estranho e desconheço. Excepto esta angústia ridícula, vaga e errónea, que mais parece uma colher de sopa estragada, azedada num plástico tipo tupperware de terceira categoria. Volto a escrever para dar conta da realidade que represento, um mendigo de sensações que não se move nem comove. Neste espaço de absurdos a minha astenia cansa-me, sinto uma ansiedade crescente dentro de mim, um volume de nada que aumenta enchendo-me todo o corpo. Discuto comigo em silêncio e levanto a voz, peito que se abre expondo as entranhas estranhas, irrompe em palavras, frases desconexas que assustam e assustam-me, até ao delírio de um ataque que, mentiroso, engana-me e deixa-me em disputa disparatada com o ar. Nesta luta é o ar que me leva um pânico que desconhecia.

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