09/06/2010

imortalidade risível

Os prestidigitadores gostam de manipular chapéus. Fazem desaparecer dentro deles objectos, ou tiram de dentro deles pombas que voam para o tecto. Bettina tirou do chapéu de Goethe os feios pássaros do seu servilismo; e dentro do chapéu de Beethoven (por certo que sem querer) fez desaparecer toda a sua música. Reservou a Goethe a sorte de Tycho Brahé e de Carter: uma imortalidade risível. Mas a imortalidade risível espreita-nos a todos; para Ravel, Beethoven seguindo em frente com o chapéu enterrado até às sobrancelhas era muito mais risível do que Goethe, inclinando-se profundamente. Por conseguinte, ainda que seja possível compor-se a imortalidade, modelá-la de antemão, manipulá-la (lembremo-nos das três rosas de Miterrand!), ela nunca se realizará tal como foi planeada. O chapéu de Beethoven tornou-se imortal. Desse ponto de vista, o plano teve êxito. Mas o sentido que o imortal chapéu viria a assumir, isso ninguém podia prevê-lo. Milan Kundera, in "A Imortalidade".

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