Lá fora,
as folhas caiem e o vento leva-as,
os
carros passam e algumas pessoas também, poucos, poucas,
que a
hora é tardia e o frio demorado.
Tanto
brilham as estrelas como cai a chuva, oblíqua ou direita é igual,
num jogo
intermitente de casualidades temporais.
Uma
senhora de muitas rugas, vem à varanda tirar os lençóis,
não vá a
obliquidade inclinar-se e pregar-lhe uma partida.
Na fria
noite fria, os homens do lixo fazem o seu trabalho,
vazando
caixotes e levando toda a imundice que dejectamos,
menos a
maldade,
a
mesquinhez,
a
crueldade,
a
tacanhez,
a
angústia,
a
amargura,
a
tristeza,
a mágoa
ou a leveza dos sonos dos que nada podem ou sabem.
As
folhas, indiferentes, seguem a sua viagem…
E eu, eu
estou aqui à janela, detido em mim próprio,
fumando
um cigarro que não aprecio,
a olhar,
olhando o que não vejo na luz fria da escuridão.
Podia
ser homem do lixo e levar toda a sujidade.
Podia
ser um padeiro e preparar o pão do dia que nasce.
Podia
conduzir um autocarro e palmilhar estradas.
Podia
ser corredor e galgar etapas de divagações e erros.
Podia
recomeçar onde parei, mas não sei onde é a paragem.
Assim,
estou aqui, à janela, em meio de quem sou.
Tão
pouco de mim, inquinado na esquina da indefinição,
de
paciência, limites e vontades resignadas,
deslumbrando-me
com o passar de uma vida que não vivo.
Esta
noite sou só mais uma metáfora,
tolerada
por uma liberdade que prevejo mas não atinjo,
que
abarco mas não reivindico.
Apenas
mais um verso solto e desconexo,
que
tenta segurar uma encruzilhada de contradições.
Até
quando? Tão pouco de mim, preso em nervos que não tenho.
Procura-me,
estou aqui, oculto mas não escondido,
encontra-me,
descobre-me, confronta-me, cumpre-me.
Faz a
tua representação do espectáculo mal encenado que és,
anuncia-te
e agarra-me, aperta-me, empurra-me, bate-me.
Olha-me
nos olhos com os teus olhos bem abertos,
e
conta-me tudo o que sabes que eu preciso e quero saber.
As
evidências incertas que me toldam e cegam,
as leis
que fazes no tempo que precisas.
O tempo
que as folhas levam e que com o tempo voltam.
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