05/02/2013

as folhas


Lá fora, as folhas caiem e o vento leva-as,
os carros passam e algumas pessoas também, poucos, poucas,
que a hora é tardia e o frio demorado.
Tanto brilham as estrelas como cai a chuva, oblíqua ou direita é igual,
num jogo intermitente de casualidades temporais.
Uma senhora de muitas rugas, vem à varanda tirar os lençóis,
não vá a obliquidade inclinar-se e pregar-lhe uma partida.
Na fria noite fria, os homens do lixo fazem o seu trabalho,
vazando caixotes e levando toda a imundice que dejectamos,
menos a maldade,
a mesquinhez,
a crueldade,
a tacanhez,
a angústia,
a amargura,
a tristeza,
a mágoa ou a leveza dos sonos dos que nada podem ou sabem.
As folhas, indiferentes, seguem a sua viagem…

E eu, eu estou aqui à janela, detido em mim próprio,
fumando um cigarro que não aprecio,
a olhar, olhando o que não vejo na luz fria da escuridão.
Podia ser homem do lixo e levar toda a sujidade.
Podia ser um padeiro e preparar o pão do dia que nasce.
Podia conduzir um autocarro e palmilhar estradas.
Podia ser corredor e galgar etapas de divagações e erros.
Podia recomeçar onde parei, mas não sei onde é a paragem.
Assim, estou aqui, à janela, em meio de quem sou.

Tão pouco de mim, inquinado na esquina da indefinição,
de paciência, limites e vontades resignadas,
deslumbrando-me com o passar de uma vida que não vivo.
Esta noite sou só mais uma metáfora,
tolerada por uma liberdade que prevejo mas não atinjo,
que abarco mas não reivindico.
Apenas mais um verso solto e desconexo,
que tenta segurar uma encruzilhada de contradições.
Até quando? Tão pouco de mim, preso em nervos que não tenho.

Procura-me, estou aqui, oculto mas não escondido,
encontra-me, descobre-me, confronta-me, cumpre-me.
Faz a tua representação do espectáculo mal encenado que és,
anuncia-te e agarra-me, aperta-me, empurra-me, bate-me.
Olha-me nos olhos com os teus olhos bem abertos,
e conta-me tudo o que sabes que eu preciso e quero saber.
As evidências incertas que me toldam e cegam,
as leis que fazes no tempo que precisas.
O tempo que as folhas levam e que com o tempo voltam.

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