15/03/2009

Perdi-te e perdi-me, agora, na abstracção que interpreto. Nesta madrugada tardia, fria, sombria, vazia, onde me perco a ver viver o que não vivo, a não ser em sensações e pensamentos que me obrigam. As palavras não param procurando uma quietude racional, assim aniquilo-me, fingindo um renascimento que não sinto, um despojamento que, mais do que vejo e penso, é o que sou. Invisível absolvo a vida, que serena corre obstinada. Despojado de mim, faço-me nesta abstracção que interpreto. Entrego-me a uma liberdade tão casual como virtual, rendendo-me à desolação isolada da solidão erma, construindo teias emaranhadas de um nada que não controlo. Nesta aflição, onde agonio, deixo a simpatia que não tenho, troçando alarve da insignificância que figuro. Não sou mais que um molde destroçado de mim próprio, uma matriz sem regras que não o desespero, que dissolvo em opostos pragmáticos da razão. Tanto logro que liberto na prisão em que estou. E, como sempre, ela volta, essa puta. Cheia de manhas e artimanhas nas manhãs que não tenho, nas tardes que tardiamente tardo em encontrar, nas noites claras que anseio e não descubro e madrugadas onde perdido me desassossego. Sempre sem piedade, dó ou compaixão, esta ditadora ávida, que, com devoção, me mostra o precipício que aparento, principiando um fim que não antevejo porque o represento. Rumo ao nada que sou, mais um empurrão da puta. Deliro perdido, sem o barco que não vem e o vento que me leva. Derivo à deriva em demanda de mim próprio, vencido pela fraqueza franca que sofro e suporto, pela intimidade solitária da solidão que vivo e faço, pela certeza pragmática de uma razão teimosa. Aqui estou e assim me afiguro, num voo perpétuo, de fragilidade obtusa, de perda irreparável, de arrependimento irremediável, de remorso obstinado, de consolo conveniente, de contrição penosa, de entrega sublimada, de poesia fingida, de fracasso decifrado. Nesta diluição infrutífera sou um porto sem barcos. Neste vento divago, prostrado, sem rumo e felicidade. Assim, contemplativo, diverge todo o meu ser, corpo e alma. Amanhã vou passear, desentorpecer as pernas e o espírito.

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